- É um momento histórico na luta contra a corrupção no Brasil: criminalizamos a conduta do funcionário público que enrique sem que se saiba como, aquele que entra pobre e sai rico. Agora temos um tipo penal esperando por ele – comemorou ao fim da reunião o relator da comissão, procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Na opinião do relator, o país necessita da previsão do crime de enriquecimento ilícito para avançar no combate à corrupção com efetividade, atendendo um “clamor social”. Conforme disse, é uma forma de alcançar o servidor com patrimônio incompatível com o que ganha licitamente, quando o crime anterior - normalmente a corrupção - ficou de fora do alcance da lei.
- A corrupção é um crime que acontece às escondidas, nos corredores mal iluminados. Quem compra um funcionário público e quem se deixa comprar não quer contar para ninguém. O que nos fizemos foi alcançar a conseqüência desta compra ilícita – argumentou.
Nos crimes contra administração, temática da pauta do dia da comissão de juristas, a legislação adota conceito abrangente de funcionário público. O conceito serve a pessoa que exerça qualquer cargo, emprego ou função pública, em qualquer nível ou Poder, inclusive para quem exerce atividade de forma temporária ou cargo eletivo.
Laranja
Como previsto pela comissão, a pena para enriquecimento ilícito ainda será aumentada, da metade do tempo até dois terços, quando o autor do crime usar nome de terceira pessoa para esconder os bens ou valores obtidos de forma criminosa. Ou seja, pegará pena maior quem usar o popular ‘laranja’ para ocultar patrimônio obtido de forma ilícita.No processo, o ônus da prova ou demonstração de incompatibilidade entre renda e patrimônio será da acusação e denúncia deverá ser feita via representação Ministério Público. Manter inalterado o ônus da prova foi ponto defendido por alguns debatedores como garantia para evitar acusações infundadas. A redação para definir o novo tipo também exigiu cuidadosa negociação, para evitar situações arbitrárias.
Tratados internacionais
Assim que o debate foi iniciado, a inovação foi defendida pelo presidente da comissão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Ele salientou que o crime de enriquecimento ilícito é previsto em convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção. Lembrou que também há um tratado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).- Temos que dar efetividade aos tratados e convenções internacionais – apelou o ministro, salientando que os protocolos foram ratificados pelo Congresso, contando com força de lei.
O advogado Nabor Bulhões foi quem mais resistiu à inclusão do novo tipo penal na legislação brasileira. Conforme Bulhões, a doutrina jurídica não comporta a conduta agora sugerida: o enriquecimento ilícito seria a consequência material de crime anterior (por exemplo, a corrupção). Portanto, o novo tipo seria uma distorção, podendo ser definido como “crime de mera suspeita”.
- O enriquecimento ilícito é o resultado de crime, e não um crime em si – argumentou.
Bulhões disse que teve o cuidado de examinar a legislação de diferentes nações, tendo comprovado que nenhum país da Comunidade Européia tipificou esse crime. Conforme o advogado, os Estados Unidos e o Canadá assumiram a mesma conduta. O ministro Dipp, por sua vez, observou que praticamente todos os países latino-americanos já possuem o novo tipo penal. A seu ver, nada impede o Brasil de seguir o mesmo caminho.
- É uma opção política do legislador – opinou o ministro.
Corrupção ativa e passiva
Outra medida incluída no anteprojeto é o fim da distinção entre os crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos, de um lado, e aqueles cometidos por particulares, de outro. A medida foi proposta pelo relator Luiz Carlos Gonçalves.O relator lembrou quea distinção data de 1940 e resultou na “cisão” entre os crimes de corrupção passiva (praticada por funcionário público) e de corrupção ativa (praticada por particular), que seriam na verdade "condutas de colaboração umas com as outras”.
– Essa distinção é sede de confusão e não se justifica. É uma tradição que mais atrapalha do que ajuda – disse.
Para Luiz Flávio Gomes, que também é integrante da comissão de juristas, o fim da distinção tornaria mais fáceis o entendimento e a aplicação da lei.
Luiza Nagib Eluf, por outro lado, afirma que a mudança proposta por Luiz Carlos também pode levar a confusões. Ela não é contra o fim da distinção entre corrupção ativa e passiva, mas receia que o novo texto “misture o crime de corrupção, seja passiva ou ativa, com o crime de concussão”. O código atual distingue corrupção ativa, corrupção passiva e concussão. Luiza argumentou que corrupção e concussão são figuras distintas que não devem ficar no mesmo artigo.
– Tem de ficar claro que a concussão é uma extorsão praticada pelo funcionário público contra o particular, que é a vítima – argumentou.
O risco, segundo ela, é induzir a opinião pública a acreditar que o particular também é culpado no crime de concussão, que é uma extorsão praticada pelo funcionário público.