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domingo, 10 de outubro de 2010

Política é coisa de idiota?



Os gregos davam um nome apropriado a quem cuidasse da vida pública, da comunidade e que acreditasse que a mais nobre regra é "um por todos e todos por um": este era chamado de político.



"Política é coisa de idiota!". Mas não poder ser! Essa sentença aparece em comentários indignados, cada vez mais frequentes no Brasil, e, em nome da verdade histórica, o que podemos constatar é que acabou se invertendo o conceito original de idiota, pois a expressão idiótes, em grego, significava aquele que só vive a vida privada, que recusa a política, que diz não à política. Em outros termos, os gregos antigos chamavam de idiota a pessoa que achava que a regra da vida é "cada um por si e Deus por todos".

Os mesmos gregos davam um nome apropriado a quem cuidasse também da vida pública, da comunidade, e que acreditasse que a mais nobre regra é "um por todos e todos por um": este era chamado de político. E se entendia que todas e todas éramos e deveríamos ser políticos, a partir da noção de que pólis é a comunidade, a cidade, a sociedade, e é nela, com ela e por ela que vivemos.

No cotidiano, o que se fez foi um sequestro semântico, uma inversão do que seria o sentido original de idiota, a ponto de muitas e muitos hoje pensarem que só deixa de ser idiota aquele que vive fechado dentro de si e só se interessa pela vida no âmbito pessoal. Sua expressão generalizada é: "Não me meto em política".

Recusemos tal percepção negativa da política, pois afeta a convivência decente e saudável e, antes de mais nada, esquece que "os ausentes nunca tem razão". De fato, muitos se sentem assim em relação a um determinado modo de fazer política, mas não corresponde à ideia mais abrangente de política, dado que ausentar-se em nome da liberdade e do interesse próprio esbarra novamente no mundo clássico, para o qual o idiota não é livre (porque toma conta só do próprio nariz), pois entendiam que só é livre aquele que se envolve na vida pública, na vida coletiva.

Assim, a política é vista aí como convivência coletiva, mesmo que moremos cada um em nossa própria, usando o latim, domus, ou seja, em casa, nosso domínio. Porém, na prática, porque vivemos juntos e só assim o conseguimos, a questão é que não temos domus, só temos con-domínios. Viver é conviver, seja na cidade, ainda que em casa ou prédio, seja no país, seja no planeta.

A vida humana é condomínio. E só existe política como capacidade de convivência exatamente em razão do condomínio.

*Mario Sergio Cortella é filósofo, professor-titular da PUC-SP e escreveu com o filósofo Renato Janine Ribeiro (USP) o livro Política: para não ser idiota (Papirus, 2010)


Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br

Howard Gardner e as Inteligências Múltiplas!


“A educação precisa justificar-se realçando o entendimento humano”


Howard Gardner nasceu em Scranton, no estado norteamericano da Pensilvânia, em 1943, numa família de judeus alemães refugiados do nazismo. Ingressou na Universidade Harvard em 1961 para estudar história e direito, mas acabou se aproximando do psicanalista Erik Erikson (1902-1994) e redirecionou a carreira acadêmica para os campos combinados de psicologia e educação. Na pós-graduação, pesquisou o desenvolvimento dos sistemas simbólicos pela inteligência humana sob orientação do célebre educador Jerome Bruner. Nessa época, Gardner integrou-se ao Harvard Project Zero, destinado inicialmente às pesquisas sobre educação artística. Em 1971, tornou-se co-diretor do projeto, cargo que mantém até hoje. Foi lá que desenvolveu as pesquisas sobre as inteligências múltiplas. Elas vieram a público em seu sétimo livro, Frames of Mind, de 1983, que o projetou da noite para o dia nos Estados Unidos. O assunto foi aprofundado em outro campeão de vendas, Inteligências Múltiplas: Teoria na Prática, publicado em 1993. Nos escritos sobre educação que se seguiram, enfatizou a importância de trabalhar a formação ética simultaneamente ao desenvolvimento das inteligências. Hoje leciona neurologia na escola de medicina da Universidade de Boston e é professor de cognição e pedagogia e de psicologia em Harvard. Nos últimos anos, vem pesquisando e escrevendo sobre criadores e líderes exemplares, tema de livros como Mentes Extraordinárias. Em 2005, foi eleito um dos 100 intelectuais mais influentes do mundo pelas revistas Foreign Policy e Prospect.
Formado no campo da psicologia e da neurologia, o cientista norte-americano Howard Gardner causou forte impacto na área educacional com sua teoria das inteligências múltiplas, divulgada no início da década de 1980. Seu interesse pelos processos de aprendizado já estava presente nos primeiros estudos de pós-graduação, quando pesquisou as descobertas do suíço Jean Piaget (1896-1980). Por outro lado, a dedicação à música e às artes, que começou na infância, o levou a supor que as noções consagradas a respeito das aptidões intelectuais humanas eram parciais e insuficientes.
Até ali, o padrão mais aceito para a avaliação de inteligência eram os testes de QI, criados nos primeiros anos do século 20 pelo psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911) a pedido do ministro da Educação de seu país. O QI (quociente de inteligência) media, basicamente, a capacidade de dominar o raciocínio que hoje se conhece como lógico- matemático, mas durante muito tempo foi tomado como padrão para aferir se as crianças correspondiam ao desempenho escolar esperado para a idade delas. “Como o aprendizado dos símbolos e raciocínios matemáticos envolve maior dificuldade do que o de palavras, Binet acreditou que seria um bom parâmetro para destacar alunos mais e menos inteligentes”, diz Celso Antunes, coordenador-geral de ensino do Centro Universitário Sant’ Anna, em São Paulo. “Mais tarde, Piaget também destacou essa dificuldade e, dessa forma, cresceu exponencialmente a valorização da inteligência lógico-matemática.”


Trabalho dos gênios

Sob a influência do norte-americano Robert Sternberg, que estudou as variações dos conceitos de inteligência em diferentes culturas, Gardner foi levado a conceituá-la como o potencial para resolver problemas e para criar aquilo que é valorizado em determinado contexto social e histórico. Na elaboração de sua teoria, ele partiu da observação do trabalho dos gênios. “Ficou claro que a manifestação da genialidade humana é bem mais específica que generalista, uma vez que bem poucos gênios o são em todas as áreas”, afirma Antunes. Gardner foi buscar evidências também no estudo de pessoas com lesões e disfunções cerebrais, que o ajudou a formular hipóteses sobre a relação entre as habilidades individuais e determinadas regiões do órgão. Finalmente, o psicólogo se valeu do mapeamento encefálico mediante técnicas surgidas nas décadas recentes. Suas conclusões, como a maioria das que se referem ao funcionamento do cérebro, são eminentemente empíricas. Ele concluiu, a princípio, que há sete tipos de inteligência:

 

1. Lógico-matemática é a capacidade de realizar operações numéricas e de fazer deduções.

 

2. Lingüística é a habilidade de aprender idiomas e de usar a fala e a escrita para atingir objetivos.

 

3. Espacial é a disposição para reconhecer e manipular situações que envolvam apreensões visuais.

 

4. Físico-cinestésica é o potencial para usar o corpo com o fim de resolver problemas ou fabricar produtos.

 

5. Interpessoal é a capacidade de entender as intenções e os desejos dos outros e conseqüentemente de se relacionar bem em sociedade.

 

6. Intrapessoal é a inclinação para se conhecer e usar o entendimento de si mesmo para alcançar certos fins.

 

7. Musical é a aptidão para tocar, apreciar e compor padrões musicais.

 

Mais tarde, Gardner acrescentou à lista as inteligências natural (reconhecer e classificar espécies da natureza) e existencial (refletir sobre questões fundamentais da vida humana) e sugeriu o agrupamento da interpessoal e da intrapessoal numa só.

 

A primeira implicação da teoria das múltiplas inteligências é que existem talentos diferenciados para atividades específicas. O físico Albert Einstein tinha excepcional aptidão lógico-matemática, mas provavelmente não dispunha do mesmo pendor para outros tipos de habilidade. O mesmo pode ser dito da veia musical de Wolfgang Amadeus Mozart ou da inteligência físico-cinestésica de Pelé. Por outro lado, embora essas capacidades sejam independentes, raramente funcionam de forma isolada.

O que leva as pessoas a desenvolver capacidades inatas são a educação que recebem e as oportunidades que encontram. Para Gardner, cada indivíduo nasce com um vasto potencial de talentos ainda não moldado pela cultura, o que só começa a ocorrer por volta dos 5 anos. Segundo ele, a educação costuma errar ao não levar em conta os vários potenciais de cada um. Além disso, é comum que essas aptidões sejam sufocadas pelo hábito nivelador de grande parte das escolas. Preservá-las já seria um grande serviço ao aluno. “O escritor imita a criança que brinca: cria um mundo de fantasia que leva a sério, embora o separe da realidade”, diz Gardner.

 

Enfoques variados, habilidades diversas

Muitas escolas, inclusive no Brasil, se esforçaram para mudar seus procedimentos em função das descobertas de Howard Gardner. A maneira mais difundida de aplicar a teoria das inteligências múltiplas é tentar estimular todas as habilidades potenciais dos alunos quando se está ensinando um mesmo conteúdo. As melhores estratégias partem da resolução de problemas. Segundo Gardner, não é possível compensar totalmente a desvantagem genética com um ambiente estimulador da habilidade correspondente, mas condições adequadas de aprendizado sempre suscitam alguma resposta positiva do aluno – desde que elas despertem o prazer do aprendizado. O psicólogo norte-americano atribui à escola duas funções essenciais: modelar papéis sociais e transmitir valores. “A missão da educação deve continuar a ser uma confrontação com a verdade, a beleza e a bondade, sem negar as facetas problemáticas dessas categorias ou as discordâncias entre diferentes culturas”, escreveu. Pela própria natureza de suas descobertas, o trabalho de Gardner favorece uma visão integral de cada indivíduo e a valorização da multiplicidade e da diversidade na sala de aula.

 

Para pensar 

Uma das conseqüências nefastas da valorização exclusiva da inteligência lógico-matemática é a tendência de definir o desempenho dos alunos mais pelo que eles não são (dada a impossibilidade de que todos se destaquem numa única área de conhecimento) do que pelo que são. Ainda prevalece o hábito de valorizar as habilidades relacionadas às artes e aos esportes apenas nas chamadas atividades extracurriculares. Você acha que, na prática diária, isso pode começar a ser mudado? De que forma?



Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/