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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Muitas causas estruturais de tragédias no Brasil vêm do período colonial!

Em Raízes do Brasil, de 1936, Sérgio Buarque de Hollanda observa que a colonização aqui empreendida pelos portugueses não considerou o estabelecimento a longo prazo e dentro de bases econômicas sustentáveis, o que levou à falta de planejamento urbano.





Nova Friburgo, Rio de Janeiro



Petrópolis, Rio de Janeiro




Há algo de extremamente poético na silhueta das cidades brasileiras, mas que está entre as causas estruturais dos desastres verificados ultimamente em muitas de nossas áreas urbanas. O exemplo mais recente é o da Região Serrana do Rio. Esse elemento de beleza decorre justamente da forma como a maioria das cidades surgiu e se desenvolveu desde os tempos coloniais: acompanhando as linhas do relevo e com pouco ou nenhum planejamento. Uma igreja que medita no outeiro, o casario que sobe e desce ladeiras, edifícios que se estabelecem sem medo à margem dos rios. Tudo isso impressiona o viajante e lhe dá o conforto de imaginar uma sociedade que se amoldou à paisagem sem conflitos, quase como se estivesse deleitosamente confundida com a natureza.

Na clássica obra Raízes do Brasil, o historiador Sérgio Buarque de Holanda observa que essa urbanização sinuosa é um reflexo do tipo de colonização empreendida pelos portugueses e da própria psicologia e visão de mundo dos colonizadores lusos. De acordo com ele, o interesse dos portugueses no Brasil era o de tirar o máximo de riquezas possível, e com pouco esforço, não levando em conta o estabelecimento no longo prazo e dentro de bases econômicas sustentáveis. Por isso, instalaram-se preferencialmente no litoral, de onde era fácil enviar para a Europa o fruto da exploração, afirma Sérgio Buarque.

"Não convinha que aqui se fizessem grandes obras, ao menos quando não se produzissem imediatos benefícios. Nada que acarretasse maiores despesas ou resultasse em prejuízo para a metrópole", diz. O historiador cita trecho de uma carta do padre Manuel de Nóbrega, de 1552: "de quantos lá vieram, nenhum tem amor a esta terra[...] todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja a custa da terra, porque esperam de se ir".




Interior
O avanço para o interior deu-se dentro da mesma visão econômica e sob o cuidado de que ninguém se estabelecesse de forma definitiva. "Os regimentos forais concedidos pela Coroa portuguesa, quando sucedia tratarem-se de regiões fora de beira-mar, insistiam sempre em que se povoassem somente as partes que ficavam às margens das grandes correntes navegáveis, como o rio São Francisco", diz Sérgio Buarque. Ele acrescenta que o desinteresse por planejar cidades também refletia a própria experiência urbanística de Portugal e um traço do caráter português de então, avesso à transfiguração da realidade por meio de métodos, sistemas ou códigos racionais. "Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra `desleixo¿", anota Sérgio Buarque.

De acordo com o historiador, os portugueses preferiam agir "por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras. Assim, é comum a coexistência das chamadas "vilas velhas", com os novos centros urbanos de origem colonial, o que o historiador considera o "persistente testemunho dessa atitude tateante e perdulária".

Conta o livro que, no começo do século 19, o professor de grego Luís dos Santos Vilhena criticava a escolha da situação na qual foi edificada a cidade de Salvador: uma colina escarpada cheia de "tantas quebras e ladeiras" quando ali perto havia "um sítio dos melhores".

A ironia poética da América lusa alcançou por fim a memória do cantor dessa simbiose da sociedade com a natureza: entre as casas destruídas pela enchente do dia 12 de janeiro em São José do Vale do Rio Preto, estava a de Antonio Carlos Jobim. Ali no refúgio que construiu com tanto esforço, e que faz parte do imaginário da MPB, ele compôs a célebre Águas de Março e outras canções da fase pós-Bossa Nova.




Nelson Oliveira
Agência Senado


Fonte: http://www.senado.gov.br/