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terça-feira, 20 de julho de 2010

A Cura pela palavra e a arte da palavra: Diálogos entre psicanálise e literatura


Este texto é uma de minhas pesquisas na faculdade um texto que aborda sobre literatura e psicanalise de Antonio Cessar Frasseto, um texto um pouco complexo, mas de bom grado para quem busca saber um pouco mais sobre tais assuntos.



            A etimologia é um campo de saber fecundo, não que haja na palavra uma essência verdadeira por trás de uma falsa aparência. O que a investigação etimológica oferece são elementos para a analise do encadeamento significante, para reativar sentidos recalcados. A palavra diálogo provém do grego e é referida como sinônimo de comunicação e conversa, o prefixo dia tem o sentido de rasgar, dividir, diversamente do outro, contra o outro. O sufixo logos tem o sentido de saber, conhecimento. O termo diálogo também faz parte das “artes da linguagem” na tradição grega. O processo de produção da palavra diálogo aproxima-se do conceito que a teoria do texto nomeia como antífrase ou oximoro, de onde se desdobra um paradoxo. Em psicanálise, definido como um dinamismo psíquico que impõe, na atribuição de sentido, o retorno do recalcado pelo seu contrário. Portanto, a palavra diálogo remete a uma impossibilidade de relação e implica o laço social do falante num desentendimento radical, numa diferença irredutível, em que cada um mantém um monólogo. Ao mesmo tempo, para estabelecer afinidade e alianças no plano político-teórico e, caso não haja diferença, ocorre à fusão simbiótica na qual não há limites nem contornos. Diferentemente do que se pensa, os saberes não estão nas paginas de papel ou eletrônicas, mas são discursos produzindo subjetividade e identidade.

            A proposta de aproximação entre discurso psicanalítico e literário tem elaborações dialógicas interpretativas que emergem da linguagem. Ambos negam a linguagem feita de signos convencionais, produzindo a objetivação e a generalização do saber. As tentativas de fazer interface entre esses diferentes campos de produção humana foram fundamentadas no texto “Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância” que Freud escreveu em 1910, e foi interpretado como uma biografia psicológica, que ofereceu informações interessantes sobre a criação artística, baseada em si mesma, constrói e institui como força descentrada e polissêmica. Esse reducionismo fez com que a obra de arte condicionada ao seu surgimento, negligenciando sua materialidade disruptiva própria. Desvio igualmente grave ocorre com a psicanálise, que distorceu o refinamento e a densidade de seu sistema conceitual, como forma de prever e solucionar tensões e conflitos subjetivos; da lógica metapsicológica, sutil, aberta e plural, que considera a contradição entre as instâncias subjetivas constituem do sujeito falante.

            Segundo Figueiredo e Santi (2002), o romantismo literário e filosófico constitui a matriz histórico-cultural da psicanálise. O diálogo entre o discurso literário e psicanalítico é um campo de pesquisa endossado pelo próprio Freud, e dois de seus conceitos fundamentais remetem à literatura trágica: Édipo e Narciso, pelo modo de abordar o inconsciente anterior à “ciência” dos sonhos. A psicanálise elaborou uma nova racionalidade, a metapsicologia, que como teoria do psiquismo que vai além da consciência e privilegia os processos inconscientes, portanto, na pesquisa dos limites da interpretação, ela busca um saber que não pode ser sabido. Outro laço possível entre psicanálise e literatura funda-se no fato de que ambas recorrem a formas de atribuição simbólica que se assemelham. Na metáfora-condensação, forma-se o eu como sinthoma humano por excelência; na metonímia-deslocamento, a dispersão desejante. Entre o eu-consciente e o desejo-inconsciente, tece-se a trama da existência humana. O sinthoma eu, como consciência de individualidade e identidade, é resultante da tentativa, sempre frustrada, de contenção da deriva significante, entre representação de palavra e representação de coisa, suturando-as pela fantasia. Quando não se realiza, o sujeito é lançado numa destituição narcísica e deixa de coincidir com a imagem que supõe ser. Pode se dizer que o discurso psicanalítico mantém a falta de sentido como possibilidade do sentido. Num texto que procurava aproximar o fazer artístico do fazer psicanalítico, entendido como o que produz a obra de arte como gesto de sentido indefinidamente tecido e desmanchado que incita o deslocamento do sentido, para definir o lugar de onde provém a interpelação que o leitor sofre durante a leitura gerando uma “crise de entendimento”, que remete a uma permanente geração de significantes. Kristeva (in Vital Brasil 1992) defende que o romance moderno faz do leitor não um mero consumidor, mas um produtor de textos “em processo de ser escrito”, o leitor desconstrói significados ao mesmo tempo em que constrói suas representações. A arte da palavra produz o deslocamento do sentido. Por sua vez, o “ato psicanalítico” interpelando-o na atribuição de outros sentidos possíveis para seu sinthoma, objetiva recolocá-lo em sua geografia subjetiva. Para a psicanálise, a subjetividade se constitui da tentativa, sempre frustrada, de superar o hiato entre o sistema consciente/pré-consciente, composto de representação de coisa, que por principio pertença à ordem do inefável. Da contradição entre a coisa indizível e a palavra dizível. O eu desdobra-se do processo de identificação produzido na dialética intersubjetiva do laço social, mas, na verdade, são produtos do desejo de um outro, que o antecipa, que o sujeito faz de si, imagem que tenta suturar a cisão inconciliável entre a representação de coisa e a representação de palavra. Uma vez que está submetido ao outro do qual depende para se constituir, é como uma folha flutuando segundo os desígnios da tempestade. Essas noções de ato psicanalítico e artístico-literário trazem o inexorável do deslocamento e da transitoriedade do sentido, em oposição ao discurso referencial e essencialista das ciências positivistas e exatas, entre real e imaginário, ignorância e conhecimento. O projeto de leitura unívoca e literal dos saberes nomeada por Heidegger de “metafísica da presença”, que trata a representação como reflexo do real, sendo esse o motivo da expulsão dos poetas da academia platônica.

            Os discursos literário e psicanalítico defendem que a ficção não pode ser pensada como degradação da representação, o sentido não é aprendido numa operação cognitiva conclusiva, mas, sim, numa atribuição simbólica desejante, pois, o objeto só toma sentido como base no desejo, e não o contrário. Segundo a psicanalista Hélène Brousse (1993), todas as formas criadas pelo homem são tentativas de traduzir a representação de coisa pela representação de palavra. Designada por um vazio, pois, de tratar do real pelo simbólico, o “não-sentido” será sempre o determinante último. A “literatura” se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio; a “religião” consiste evitar esse vazio; e a ciência rejeita a presença da representação da coisa, de sua perspectiva, define-se o ideal do saber absoluto.

            Psicanálise e literatura são saberes “inúteis”, seu valor se assenta para além do nível instrumental, supondo que esse desdém ocorre porque ambas realçam o obscuro, o sem sentido, o inefável, o singular, em detrimento do esclarecimento do mundo contemporâneo, na tentativa impossível, e sempre frustrada, de dizer o que não pode ser dito, contrariando a objetividade referencial, unívoca, completa e conclusiva dos saberes hegemônicos. A psicanálise, como discurso disseminado no atual contexto cultural, não poderia deixar de ser visada pela literatura. Assim, para incitar novas atribuições de sentido sobre esse diálogo.