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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Toca Raul!!!

Pornografia infantil em mangás!?


Em março deste ano, um projeto de lei de Tóquio que revê a regulamentação do uso de personagens infantis em manga (histórias em quadrinho) e anime (filmes de animação) eróticos acendeu uma discussão calorosa entre sociedades civis, governo e autores de histórias em quadrinhos.

O projeto visava tornar mais rígida a Lei de Proteção da Infância e da Adolescência, regulamentando o uso de imagens de cunho sexual em histórias em quadrinhos e desenhos animados, com a introdução de conceito de “menores de idade fictícios”, que seriam aqueles com aparência pueril. Caso esses personagens aparecessem em cenas de sexo abusivo, com conteúdo que “prejudique a formação de conceito saudável sobre o tema”, o governo pediria que as obras não fossem vendidas a menores de idade. E quando houvesse cenas polêmicas, como incesto, seria enquadrado como “obra insalubre”, sendo proibida a venda a menores.

A Assembleia de Tóquio, no entanto, adiou a votação para junho, alegando que havia pontos que não estavam claros, mas o assunto ganhou repercussão, já que a regulamentação da capital japonesa é referência para o resto do país, podendo dificultar a distribuição de revistas e DVDs.

No mesmo dia em que a Assembleia de Tóquio adiou a votação da polêmica proposta, o governador de Osaka, Toru Hashimoto, expressou o desejo de fazer um projeto semelhante, lembrando que a discussão na capital o levou a pensar a pornografia infantil em meios de comunicação como um problema urbano. “Quero conhecer a realidade de Osaka e decidir se há necessidade de uma regulamentação”, disse Hashimoto.

O manga erótico vem sendo alvo de crítica de sociedades civis, principalmente o PTA (Associação de Pais e Mestres), desde o final da década de 1960. Na época, um dos títulos mais criticados foi o Harenchi Gakuen, de Go Nagai. Publicado numa das revistas de manga mais vendidas, Shonen Jump, a história, que tinha como cenário um colégio com professores bizarros, se tornou centro de batalha entre o PTA, escolas, críticos, autores de manga e leitores.

A Associação de Diretores de Escolas de Yokkaichi, Mie, tentou enquadrar o manga como “publicação insalubre”, o que faria com que a publicação tivesse o acesso por menores de idade dificultado, com uso de embalagens plásticas e disposição em prateleiras restritas nas livrarias. A tentativa foi frustrada, mas os pais e professores passaram a prestar mais atenção ao material que jovens liam.

O autor Go Nagai, que naquela época foi alvo de ataque pessoal na mídia, está entre os que criticam o aumento do rigor da lei de Tóquio, proposto em março último. “Se (naquela época) houvesse esta regulamentação, o Harenchi Gakuen não teria sido publicado”, falou Nagai, em entrevista coletiva no dia 15 de março, na sede do governo da capital.

Outros autores consagrados de manga, como Tetsuya Chiba, autor de Ashita no Joe, e Machiko Satonaka, autora de Aries no Otome Tachi, também se juntaram ao protesto, temendo que o direto de expressão fosse restringido. O Pen Club (Associação Japonesa de Escritores) também se manifestou contrário à revisão. Por outro lado, associações como a Federação Japonesa de Associação de Advogados manifestou a necessidade de criar regras mais claras sobre a pornografia infantil e a proibição de posse deste tipo de material, ressaltando, porém, que é contrária à criminalização da simples posse.

 

“Pornografia simulada”

O uso de desenhos de personagens com aparência infantil enquadra-se na chamada “pornografia simulada”, porque não envolve crianças reais na sua produção. Justamente aqui está a diferença entre o Harenchi Gakuen, centro da batalha 40 anos atrás, e o material produzido hoje: na obra de Nagai os personagens, principalmente as meninas, eram adolescentes, mas a aparência física era de mulheres adultas. Já muitas produções hoje consideram personagens maiores de idade, mas o seu visual é de criança: além do aspecto físico de quem não atingiu a maturidade, há caracterizações como uso de uniforme escolar e linguajar, que levam a identificá-las como crianças de até 5 anos de idade.

Uma pesquisa realizada pelo governo japonês em 2007 mostrou que 90% das pessoas consultadas são a favor de regulamentar o uso de imagens de personagens com aparência de menores de idade em histórias em quadrinhos e ilustrações. Apenas 2,5% acham que estas obras não deveriam ser regulamentadas. A enquete foi feita entre 13 e 23 de setembro de 2007, com quase duas mil mil pessoas com mais de 20 anos consultadas.

 

Diferenças

Em 2008, foi lançada a campanha “Vamos acabar com a pornografia infantil” (Nakusou! Kodomo Poruno), em conjunto com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) do Japão, para colher assinaturas cobrando do governo e da Dieta regulamentação para o assunto nos meios de comunicação, incluindo o uso de imagens de personagens fictícias com aparência de crianças. Mais de 114 mil pessoas assinaram a proposta, que pedia também criminalização da posse destes materiais, além da estruturação do governo para atender vítimas de pornografia infantil.

A campanha lembrou que o Japão, junto com a Rússia, era um dos dois únicos países do G-8 que não proíbem o porte de material contendo pornografia infantil. A coordenação da campanha lembrou que, “ao deixar o Japão, um gigante da tecnologia e de geração de produtos, à própria sorte, não apenas crianças japonesas mas do mundo inteiro ficam sujeitas à violência sexual”.

Aqueles que pedem a regulamentação da pornografia infantil, como a campanha acima citada e a federação dos advogados, ressaltam que não pedem a moralização dos meios de comunicação, mas a preservação do direito das crianças. Lembram também que crianças estão se tornando mercadoria no grande mundo do comércio sexual nipônico.

Enquanto o Japão discute os limites dos mangas eróticos envolvendo figuras infantis, a falta de regras definidas virou caso de polícia nos Estados Unidos. Em maio de 2009, um colecionador de manga admitiu ter recebido um pacote por correio contendo material de pornografia infantil. O caso começou em 2006, quando a alfândega norte-americana checou uma encomenda enviada ao homem de 39 anos. Como foram encontrados mangas com cenas eróticas com personagens de aparência infantil sendo abusadas por adultos e animais, foi aberto processo contra ele com base no 2003 Protect Act, lei que proíbe a pornografia de crianças nos EUA. Se considerado culpado, ele pode pegar até 15 anos de prisão. O advogado do acusado afirma que ele é colecionador de manga como um todo, de que as versões pornográficas são apenas um dos gêneros de e seu acervo e de que ele não é pedófilo.

 

 

A situação no mundo

O 3º Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que aconteceu em novembro de 2008, no Rio de Janeiro, discutiu o uso de instrumentos e medidas mais eficazes contra a exploração sexual dos menores de idade. O documento final, chamado Declaração do Rio de Janeiro, pede a “criminalização da produção, distribuição, recebimento e porte intencional de pornografia infantil, incluindo imagens virtuais e representação de exploração sexual de crianças”. Já o Conselho da Convenção Europeia para Proteção de Crianças contra Exploração e Abuso Sexual considerou que o assunto envolve também desenhos e ilustrações: “O termo pornografia infantil significa qualquer material que mostra visualmente crianças tomando parte de conduta sexual real ou simulada, ou desenho de qualquer órgão sexual de menores para propósito sexual”.


Reportagem: Yoko Fujino/NB com Kyodo News | Fotos: Kyodo e Reprodução


Fonte: http://www.zashi.com.br/